sábado, 3 de março de 2012

ADEUS



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,e o que nos ficou não chegapara afastar o frio de quatro paredes.Gastámos tudo menos o silêncio.Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,gastámos as mão à força de as apertarmos,gastámos o relógio e as pedras das esquinasem esperas inúteis.Meto as mãos nas algibeirase não encontro nada.Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!Era como se todas as coisas fossem minhas:quanto mais te dava mais tinha para te dar.Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!e eu acreditava.Acreditava,porque ao teu ladotodas as coisas eram possíveis.Mas isso era no tempo dos segredos,no tempo em que o teu corpo era um aquário,no tempo em que os meus olhoseram peixes verdes.Hoje são apenas os meus olhos.É pouco, mas é verdade,uns olhos como todos os outros.Já gastámos as palavras.Quando agora digo: meu amor…,já se não passa absolutamente nada.E no entanto, antes das palavras gastas,tenho a certezade que todas as coisas estremeciamsó de murmurar o teu nomeno silêncio do meu coração.Não temos já nada para dar.Dentro de tinão há nada que me peça água.O passado é inútil como um trapo.E já te disse: as palavras estão gastas.Adeus.
Eugénio de Andrade

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