quinta-feira, 5 de abril de 2012

SOU O QUE SOU.




Sou o que sou
Sem mentiras pra mim,
Se você quer chegar me aceite assim,
Pois o fato é que eu sou
E não vou me negar”
Raul Seixas

ENOQUE


Enoque e os Anjos Caídos
10 / 3 / 2012
A palavra hebraica para Enoque é חנוך (cha no k) e significa “Homem” ou “Humanidade”. Nos primeiros capítulos de Génesis surgem dois Enoques: o primeiro Enoque é o terceiro desde Adão, pela via de Caim, mais especificamente, o primogénito de Caim que deu o nome à primeira cidade referida na Bíblia; o segundo Enoque é o sétimo desde Adão pela via de Sete. Acerca deste último muito tem sido pregado e escrito, embora a Bíblia nos dê pouca informação acerca desta personagem. O seu arrebatamento, justificado pelo misterioso “andou com Deus”, deixa inumeras perguntas às quais não encontramos resposta: ”Andou Enoque com Deus, depois que gerou a Matusalém, trezentos anos; e gerou filhos e filhas. Todos os dias de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco anos; Enoque andou com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus o tomou.” (Gn 5:22-24).

O apóstolo Judas, na sua Epístola, pequena em tamanho mas não em valor, surpreende-nos com uma afirmação, no mínimo intrigante: ”Para estes também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor com os seus milhares de santos…” (Jd 1:14). No penúltimo livro da Bíblia ficamos a saber que Enoque profetizou! Mais ainda, Judas cita-lhe uma profecia!

Este escritor bíblico cita o segundo capítulo do Livro Etíope de Enoque: “Ei-Lo! Chega com dez mil dos Seus santos, para julgar todas as criaturas, para destruir a raça dos malvados e condenar toda a carne por causa dos crimes que o pecador e o ímpio contra Ele cometeram.”.

O «Livro Etíope de Enoque», também chamado de «Iª Enoque», foi conservado na íntegra em etíope. O mais antigo dos 29 manuscritos em que R. H. Charles1 baseou a edição do seu texto provém do séc. XVI. A tradução etíope surgida por volta de 500, foi feita a partir de uma tradução grega da qual a «Mission Archéologique Francaise» descobriu dois fragmentos em Akhim, em 1886/87, publicados em 1892 por M. Bouriant. Na biblioteca Vaticana encontra-se também um fragmento grego. A tradução grega remonta a um original semita. Existem ainda Fragmentos Aramaicos relacionados com o Livro de Enoque Etíope. Estes foram encontrados em Qumran, na gruta 4, embora a antiguidade de alguns indiquem que foram extraídos de outra fonte anterior.

O cristianismo primitivo considerava o livro como revelação, como indica a citação de Judas, além de muitos vestígios nas epístolas de Pedro e até mesmo nas cartas de Paulo. Só no séc. VI passou a ser considerado «não inspirado», mantendo, mesmo assim, o seu prestígio entre a Igreja etíope e fazendo ainda actualmente parte do canon etíope.

O «Livro Eslavo de Enoque», denominado de «IIª Enoque» para se distinguir do primeiro, existe em duas versões, uma mais longa originada do sul da Rússia, contida num manuscrito da segunda metade do século XVII, e publicada por A. Popov em 1880, e outra incompleta e breve encontrada num manuscrito sérvio da Biblioteca Pública de Belgrado e editado por St. Novakovic em 1884. Ambas remontam a uma tradição grega mais antiga (devido à maneira de derivar o nome de Adão [Adam]). Discute-se se anteriormente haveria um original hebraico e existe a opinião de que se trata de uma transformação das tradições de Enoque que se encontram também no «Livro Etíope de Enoque». Existem temas comuns a ambos os livros, entre eles, a viagem pelo Céu com descrições pormenorizadas deste e interesse pelas questões astronómicas e de metereologia.

O chamado «Livro de Enoque Hebraico», ou «IIIª Enoque», cujo verdadeiro título pensa-se ser «Livro dos Palácios, ou Sefer Hekalot», não pertence aos livros apócrifos do Antigo Testamento própriamente ditos, no entanto, embora em data mais tardia recompila tradições antigas e recolhidas dos outros dois livros.

De forma geral, o «Livro de Enoque» apresenta-se como uma colectânea de revelações atribuídas a Enoque, procurando explicar certas passagens obscuras do Antigo Testamento. Por exemplo, em relação à queda angélica relatada em Génesis 6, diz: “Quando os filhos dos homens se tiverem multiplicado nesses dias, sucederá que lhes nascerão filhas esbeltas e belas. E quando os anjos, os filhos do Céu, as virem, por elas se apaixonarão; e dirão uns aos outros: Escolhamos mulheres da espécie dos homens e tenhamos com elas filhos…” (Livro Etíope de Enoque, Capítulo VII).

Também Judas narra o mesmo facto dizendo: “aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, ele os tem reservado em prisões eternas na escuridão para o juízo do grande dia, assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que havendo-se prostituído como aqueles anjos, e ido após outra carne, foram postas como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno.” (Jd 6,7). O «Livro de Enoque» ensina a pré-existência do Filho do Homem, do Messias, existindo em segredo e profetiza a Sua vinda. Seja qual for a opinião acerca destes escritos, existe o consenso de que possuem grande valor histórico e cultural, não devendo por isso ser ignorados. Existem mesmo várias traduções da versão etíope para o português e espanhol e já é possível encontrar versões digitais na Web em português. Não surpreende que Enoque tenha sido objecto da pena dos escribas desde a antiguidade. Continuará a sê-lo, como aquele que foi o primeiro homem a não ver a morte passando directamente para a eternidade, desejo íntimo de todo o ser humano.

Enoque, o homem que “não apareceu mais”, permanece convidando-nos, por entre uma neblina de mistério, a “andar com Deus”.

Dvorah bat Kadosh