sexta-feira, 2 de março de 2012

LÁZARO CURVÊLO CHAVES

Palavras de um revoltado

Ninguém é dono do
céu, do ar, da água ou da terra, que são os recursos naturais deste planeta.
Quem deles se apropria para explorar ou vender ofende a nosso Pai, Criador do
Universo.
Todos os seres
humanos são iguais em potenciais diferenciados ao nascer, infinitamente
plásticos. A desigualdade começa na criação, na educação de uns e ausência de
educação para outros
O enriquecimento é
sempre fruto de rapinagem, exploração do trabalho ou bens alheios. Não se
conhece na história um único caso de enriquecimento oriundo do fruto de trabalho
honesto, por mais que se tente enfeitar a carreira de gente como Senor
Abravanel, ex-camelô e hoje imperador de jogatina e dono de rede
televisiva.
Não se conhece um
único ser humano que consiga viver com dignidade apenas usufruindo do fruto de
seu trabalho. Os ditados populares são implacáveis: “quem trabalha não tem tempo
para ganhar dinheiro”.
Considero o ser
humano muitíssimo mais importante que as coisas criadas por ele, particularmente
o capital. Somente a inversão de valores oriunda da posse como mensuração de
dignidade humana pode guindar verdadeiros anões intelectuais e morais aos
píncaros da glória e colocar como pré-requisito para reconhecer o valor dos
verdadeiros gigantes o seu falecimento.

Cinco Jornais

Quando morava no Rio tinha oportunidade de ler
diariamente os quatro maiores jornais do país e os conhecer melhor, participando
de círculos de discussão a respeito da imprensa, descobrindo o que está por trás
das páginas escritas, etc. Hoje, com a Internet, o acesso é até mais simples,
mas o fetiche de tocar e folhear o papel fica como reminiscência
inarredável.
Com exceção de O Globo, do
jornalista Roberto Marinho, todos repudiavam a ditadura militar. Enquanto
Marinho enaltecia os feitos dos generais e combatia qualquer eivor de tentativa
de superar aquele período negro, por motivos diferentes os outros jornais eram
empastelados, dinamitados, tinham seus profissionais perseguidos e aprisionados,
sofriam, enfim, as mais gritantes perseguições. Roberto Marinho era um
visionário, vangloriando-se de ser “um revolucionário de primeira hora”
vislumbrava que até mesmo após a sua morte os frutos da ditadura militar
estariam florescentes e rígidos. E de fato, está aí Delfim Neto, Cassandra do
Caos econômico, guindado novamente à posição de principal mentor intelectual da
equipe econômica da Presidência da República que, por sinal, considera a
política econômica subserviente ao capital especulativo internacional o ponto
mais forte e baluarte de sustentação de seu governo. Está aí o próprio Lula da
Silva, sempre acarinhado e perdoado em seus “pecados” pela ditadura – hoje
compreendemos os motivos – está aí José Ribamar Sarney, ex-presidente da Arena
que, num gesto rocambolesco filiou-se à oposição para permanecer no poder e se
constitui no principal interlocutor de Lula da Silva e sua equipe
política.
Ao abrirmos O Globo ou
ouvirmos qualquer coisa dita por aquele que se transformou, graças às muitas
benesses públicas, no maior conglomerado comunicativo do Brasil, quiçá da
América, sabemos perfeitamente que se trata de um organismo ligado ao poder,
esteja ele nas mãos de quem estiver. Vejamos os outros.
No Rio, quem buscava um pouquinho mais de
verdade – ou um pouquinho menos de mentiras, dependendo do radicalismo – lia o
Jornal do Brasil e assim se informava melhor. Nunca foi um jornal
de esquerda ou mesmo simpático à esquerda, é miseravelmente liberal, mas os
liberais jamais toleraram a ditadura militar, sendo a recíproca igualmente
verdadeira.
A ditadura consegui equalizar liberais,
comunistas e criminosos comuns em seu furor persecutório e é, em última análise,
a principal fomentadora das grandes redes ilegais ou para-legais – do PT ao
Comando Vermelho – que se utilizam de linguajar político para cometer crimes
comuns.
Enfim, podemos ler o Jornal do
Brasil conscientes de tratar-se de um veículo de comunicação um tantinho
menos comprometido com a ordem vigente e disposto mesmo a investigar. Traz em
seu currículo, entre outras coisas, a vanguarda da fraude Rede
Globo/Proconsult/Racimec que, em 1982 tentou fraudar a eleição de Leonel de
Moura Brizola ao governo do Rio. Ingressou na campanha pelo Impeachment de
Collor de Mello um ano antes de as Organizações Globo, por incapacidade de
ocultar mais a realidade das ruas, ingressar também.
O Estado de S. Paulo é um
jornal aristocrático. De extrema direita, já cedeu amplos espaços para
organizações como a TFP e congêneres. Posicionou-se contra os militares que
tomaram o poder em 1964 por uma questão miseravelmente aristocrática. Julgavam
os militares – não sem uma ponta de razão, convenhamos – um grupo sem “finesse”
e inadequado para o exercício do poder. Auxiliaram o Golpe num primeiro momento
mas, a partir do instante em que os plebeus fardados tomaram gosto pelo poder, o
Estadão se posicionou contra eles e começou a ter problemas com a
censura. Jamais questionaram a política econômica – não só dos militares, a
mesma que a atual, mas nenhuma política econômica capitalista, de Bulhões
e Delfim Neto a, novamente, Delfim Neto e Antonio Palocci. Questionavam apenas o
encaminhamento grosseiro, sem respeito pela etiqueta política – seja lá o que
isso possa significar. Um jornaleco imbecil, de leitura leve e fácil, produzido
em massa para uma grande massa de pessoas que se identificam com seus chavões e
palavras de ordem vazias de significado e cheias de conservadorismo. As
raríssimas exceções – Euclides da Cunha já escreveu para o Estadão... –
confirmam a regra.
A Folha de S. Paulo é, também,
liberal. Contudo, conta em seus quadros com muitos jornalistas independentes, de
esquerda e mesmo anarquistas e isto a transforma no mais confiável de todos os
veículos de comunicação escrita que circulam diariamente pelo país: a
independência. Inaugurou no Brasil a função de ouvidor do leitor (mantendo,
contudo o vernáculo escandinavo “Ombudsman”) e é o jornal que mais espaços abre
à livre manifestação do Leitor.
Dos “quatro grandes” o mais lido pelos
intelectuais sempre foi a Folha – nos períodos de maior crise, quando não havia
recursos suficientes para se fazer assinaturas de todos os jornais, a reitoria
da UFF, por exemplo, assinava a Folha e o JB, que
não apenas estavam em maior sintonia com a verdade dos fatos como contava com
vários profissionais daquela Instituição Educacional em seus quadros,
aprofundando a análise ao nível acadêmico desejável.
Sempre que possível ainda leio o
Clarín, de Buenos Aires, o Coojornal – melhor de
todos, hoje extinto, uma cooperativa fenomenal do Sul do Brasil – Le
Monde, o Washington Post , Frankfurter
Algemeine e o Granma (houve uma época em que lia o Pravda,
mas não anda compensando mais...) além das agências noticiosas árabes em inglês,
francês e alemão (que infelizmente não domino o idioma do Profeta) para ficar
melhor informado não apenas sobre política internacional como sobre a política
brasileira e de que maneira ela aparece “lá fora”.
Um desses domingos pela manhã vieram duas
mocinhas, Bíblia debaixo do braço, provavelmente protestantes, que
os protestantes, por algum mistério a ser averiguado, gostam de sair pelas
manhãs de domingo fazendo o seu proselitismo. Como estava de bom humor
dialoguei. Mas minha interlocutora monoglota conseguiu fazer-me perder a
paciência e retribuir arrogância com arrogância. Disse-me, do alto de suas
certezas absolutas: “já sei o que você vai dizer!”. E eu: “Am welche Sprache?” –
“Em que língua?” Você não domina 20% de meu vocabulário em português, como é que
já sabe o que vou dizer, sendo que posso fazê-lo em pelo menos quatro outros
idiomas? São coisas assim que fazem de mim um lobo
solitário...
No Brasil, restam apenas a Folha de S.
Paulo e o Opinião Socialista – consegue-se ler ainda
também, particularmente aos domingos, quando há mais ensaios, o
JB... Os outros se tornaram absolutamente ilegíveis por pessoas
dotadas de alguma consciência crítica. Evidente que seguimos passando uma vista
d’olhos pelas bobagens que os áulicos do Globo escrevem e os
aristocratas do Estadão proferem, principalmente para
contraditá-los pois que contam com muitos leitores e há que se estabelecer um
parâmetro de diálogo. Espanta um pouco que as pessoas saibam ler mas prefiram a
leveza do lixo. Enfim, o humano é essa diversidade fantástica mesmo... No
Materialismo e Empiriocriticismo Lênin declama ensinando, em
alemão no original: “Wer der Feind will verstehen muss in feindes landes
gehen” – “Quem quiser conhecer o inimigo, tem de caminhar pelas
terras do inimigo”.
Bom mesmo é o DEMOCRATA. Aqui
tem espaço para mulheres que defendem o seu direito à infidelidade conjugal,
religiosos que defendem a linha da Igreja Católica Apostólica Romana, místicos
menos ortodoxos, espíritas, protestantes, políticos de todos os matizes, gente
provinciana, cosmopolita, poetas, crentes na difusão de idiomas mortos,
sonhadores, loucos e até quem está aprendendo a escrever, como quem assina estas
estarrecidas linhas.

Lázaro Curvêlo Chaves –
22/09/2005

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