segunda-feira, 2 de abril de 2012

VIDA AFETIVA E SA'UDE


VIDA AFETIVA E SAÚDE

Texto: Marilene Cabello di Flora

A saúde dos nossos sentimentos
No centro da reflexão sobre a saúde, encontra-se a temática das maneiras como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e com o mundo social a que pertence, enquanto ser afetivo, que experimenta e gera prazer.

Promover a saúde equivale a condenar todas as formas de conduta que violentam o corpo, o sentimento e a razão humana gerando, conseqüentemente, a servidão, a perda da liberdade e a cristalização da angústia.

Diante deste quadro, sentimentos de indignidade, inutilidade e depreciação tomam conta de nossa mente, gerando sofrimento e perda de sentido em relação ao trabalho e à vida.

Diante da menor dificuldade, sentimo-nos impotentes, paralisados como se nosso cérebro e músculos estivessem adormecidos.

A vida, nestas circunstâncias, perde o seu sabor e todas as atividades para as quais somos chamados em nosso cotidiano tornam-se fardos muito pesados em relação à nossa fragilidade.

Cuidado! Esta é a rota da depressão.
Livremo-nos dela, através do cultivo da vida saudável que implica o despertar das emoções, sejam elas positivas ou negativas. É o agir com mais coragem e audácia, quando a sensação de impotência se transforma em energia e força para lutar.

O fundamental, para o resgate da vida saudável, é a mudança na relação entre a pessoa e o mundo.

Saúde, segundo Dejours é a possibilidade de ter esperança e potencializar esta esperança em ação. Por isso, constitui-se num processo que diz respeito à convivência social e à vivência pessoal.

As necessidades fundamentais ao desenvolvimento do homem, no sentido de alcançar a plenitude da saúde humana, são: o pensar, o agir, o imaginar e o amor.

Na promoção de saúde, não basta apenas ministrar medicamentos ou ensinar novos conhecimentos e padrões comportamentais. É preciso atuar nas necessidades e emoções que mediam tais conhecimentos e práticas, isto é, na base afetiva do comportamento.

Em quase todas as doenças, encontram-se relações curiosas entre o que se passa na cabeça das pessoas e a evolução de sua doença física.

Todos já experimentamos situações emocionalmente positivas, quando parece que compreendemos o mundo e nos sentimos tocados pelas fadas madrinhas da sabedoria; porém, também temos experimentado situações emocionalmente negativas, nas quais prevalece a confusão. As coisas não parecem ter nem pé nem cabeça e é difícil desenrolar a informação com o objetivo de entendê-la.

Na verdade, nossos sentimentos são o sexto sentido, o sentido que interpreta, organiza, dirige e resume os outros cinco. Os sentimentos nos dizem se o que estamos experimentando é ameaçador, doloroso, lamentável, triste ou alegre.

A pessoa que carrega consigo muita raiva não apaziguada, provavelmente achará o mundo que encontra também raivoso e assim perpetuará esse sentimento negativo.

Quando perdemos o contato com os nossos sentimentos, perdemos o contato com nossas qualidades mais humanas, perdemos saúde.

Os sentimentos são a maneira como nos percebemos. São nossa reação ao mundo que nos circunda; portanto, compreender nossos sentimentos é compreender nossa reação a este mundo. É entender nossa vida emocional e afetiva como fonte de equilíbrio ou desequilíbrio, de saúde ou de doença.

Os sentimentos podem ser disfarçados, negados, racionalizados, mas um sentimento doloroso não se retirará enquanto não tiver percorrido sua trajetória natural. Emoção e afeto são, portanto, sentimentos que apenas se diferenciam em grau de intensidade.

As emoções e os afetos

As emoções têm uma forte expressão corporal, uma base fisiológica inata, segundo alguns autores. São sentimentos passageiros, pressionados pelos acontecimentos e pelas ansiedades que se acumulam durante o transcorrer da convivência grupal. Requerem um constante esvaziamento ou expressão. Podem desencadear desestruturação ou alívio. Assim, uma explosão emocional como o choro, por exemplo, depois de uma reprimenda ou discussão, pode criar alívio passageiro, porém, mais tarde, pode deixar um rastro de culpa pela sensação de ter "manchado" a imagem.

Já os sentimentos mais duradouros, como a afetividade, por exemplo, significam que uma pessoa está implicada com algo ou alguém e este fato pode se constituir desde emoções simples até os sentimentos mais complexos que caracterizam a própria personalidade do indivíduo.

Afeto constitui-se no amplo espectro de sentimentos associados à história das relações. Estrutura o entrelaçamento das subjetividades pessoais, sejam as atitudes solidárias, as antipatias, os enfrentamentos, as lealdades ou as oposições. O poder do afeto é a possibilidade de determinar as ações, as condutas, os pensamentos que se terá diante desta ou daquela pessoa.

A criação do vínculo afetivo leva tempo. Quer dizer, é necessário compartilhar história para que os laços afetivos se solidifiquem.

Os fatores afetivos implicam, num nível mais profundo, o aprendizado de formas adequadas para expressar uma variada gama de sentimentos e emoções.

Outro aspecto importante da dimensão afetiva são os afetos disfuncionais que interferem na interação social. Entre eles estão a ansiedade e a depressão. Na base destes afetos, está o sentimento de perda, sendo que os mais importantes são: a perda de um grande amor, a perda do controle e a perda da auto-estima.

Dentre estas perdas, a mais significativa é a da auto-estima, responsável pelo bloqueio das idealizações do nosso Ego.

Como sabemos, a auto-estima é a dimensão afetiva do autoconceito, implicando um sentido de eficiência pessoal e um sentido de autovalorização.

Segundo Reasoner, a auto-estima se refere a um sentido de auto-respeito, confiança, identidade e propositividade do indivíduo. Sua presença permite identificar os indivíduos bastante produtivos daqueles que fracassam, desistem ou sucumbem às drogas e à bebida como um tipo de escapismo.

Os indivíduos de elevada auto-estima revelam um acentuado grau de aceitação de si mesmos e dos demais. As pessoas de elevada auto-estima se sentem seguras em seu ambiente e nas suas relações sociais. Revelam um sentimento de pertença e de vinculação aos outros.

Quando enfrentam desafios ou problemas, reagem com confiança e geralmente são bem sucedidas. Sentem-se orgulhosos de si mesmos e se responsabilizam pelos próprios atos. Em contraste com elas, estão os indivíduos que apresentam baixa auto-estima: são medrosos e não se arriscam por temer o fracasso, preocupam-se com o que os outros pensam deles ou de seus atos e geralmente não são capazes de fazer frente aos desafios.

Pessoas que possuem baixa auto-estima, embora saibam o que fazer para atingir certas metas em uma situação social, nem sequer tentam porque se sentem incapazes.

A perda verdadeiramente mais difícil de aceitar é aquela que faz o indivíduo se enxergar através de si mesmo e se constatar tão carente de recursos. Portanto, o primeiro passo para lidar com nossas perdas é admitir nossa fraqueza e vulnerabilidade diante dos reveses da vida.

Em segundo lugar, devemos nos posicionar francamente diante daquele ou daquilo que magoa; a mágoa drena nossas energias; portanto, precisamos compensar esta drenagem dirigindo nossos sentimentos negativos para fora de nós mesmos. Deixemos que nossa mágoa se torne problema da pessoa que a provocou.

Em todos os casos, é importante colocarmo-nos diretamente em contato com a dor e o prazer da vida, com nossos sentimentos e experiência como realmente são, pois isto é o que nos dá a liberdade de fazer um ajuste mais realista e positivo em relação ao mundo.

Em suma, magoa-nos perder algo importante; porém, magoa-nos muito mais fingir de outra maneira.

Coloquemo-nos diante da realidade criticamente, esperando dela apenas aquilo que ela pode lhe oferecer. Esperar mais do que isto só nos predispõe a sermos magoados de forma ainda pior, desnecessariamente.

Em todo momento, portanto, estejamos atentos a nós mesmos, pois, ao menor descuido, voltamos a adormecer e a nos tornar suscetíveis a novos desenganos.

Aos que nunca nos apreciaram, aquela crise afetiva que foi um vendaval em nossos projetos de vida, aqueles ideais que nunca pudemos realizar, deixemos todos à paz dos mortos e nós vivamos.

Se as inevitáveis perdas diárias às quais o indivíduo está sujeito são as responsáveis pelas diferentes perturbações de ordem física e psicológica vivenciadas por ele, a promoção de saúde consistirá em aprender a lidar com estas perdas diminuindo o grau de ansiedade e perturbação mental desencadeadas por elas.

A regra de ouro é a seguinte: deixar que as coisas sejam o que são. Uma vez que chegamos à conclusão de que não há mais nada a fazer de nossa parte, e que os fatos seguem paralelamente ao nosso lado sem nosso consentimento, a razão aconselha aceitá-los com toda a calma, quase com doçura.

Aceitar significa admitir, sem irritação, que o outro seja tal como é, que as coisas sejam como são. Em lugar de nos irritarmos, deixemos que cada coisa, uma por uma, seja.

Desta forma, transformaremos os inimigos em amigos e secaremos inúmeros mananciais de sofrimento recuperando a paz e a saúde física e mental.

Sexualidade e afeto: o grande desafio

A sexualidade é uma dimensão fundamental do ser humano. Diversos autores defendem a tese de que a sexualidade humana é uma dimensão totalizante e integradora do ser, apresentando diversos níveis:

1) o nível físico que se exprime através dos sentidos;

2) o nível afetivo, que se exprime pelos sentimentos.

A sexualidade é algo que se aprende em cada emoção vivida com intensidade, em cada vínculo em que a intimidade abre caminho e se faz presente.

O encontro amoroso, aventura misteriosa e mágica, na relação heterossexual, tem início, sobretudo, pela veia das emoções.

Diante das emoções, o intelecto se debilita e sentimo-nos soltos, desorientados, perdidos.

E não existe nada mais fascinante que o sexo. Nascemos com nossa sexualidade e temos a nossa existência inteira para aprender a lidar com ela.

Quanto antes aceitarmos a nossa incompletude enquanto seres sexuados, onde algo está faltando, mais rapidamente o caminho se abre para nos conduzir ao encontro do outro. Desta forma, o ser humano nasce com a “possibilidade” e a “condenação” de buscar e encontrar a outra metade que o complete.

Desde crianças, estamos sempre em busca de afeto o que nos impele ao encontro do outro que é vital.

Neste aspecto, haveria alguma receita que nos levasse rumo à felicidade a dois? Haverá regras absolutas nesse “jogo do encontro” a ser cumprida pelos parceiros?

A psicanalista e psicóloga clínica Sheiva Cherman, quando consultada sobre estas questões, oferece algo basicamente geral para os seus leitores em sua obra Sexo e Afeto. (1996).

Mensagens para melhorar a difícil arte do encontro:

1) O amor é o combustível que nos faz sentir vivos e vibrantes.

2) Qualquer busca cessa mediante o encontro.

3) Só o amor verdadeiro possibilita o encontro entre as pessoas e este é, em essência, sábio, sedutor, atraente, sensual, recíproco, doação, edificante.

4) Só o amor verdadeiro dá origem ao nós que exige aceitação, concessão e renúncia.

5) Ingredientes do amor verdadeiro:

- respeito por si próprio e pelo objeto amoroso;

- honestidade de propostas originando força e segurança para o casal;

- sensualidade que deverá resistir a novos estímulos, cansaço e desencantos, mantendo o desejo sempre desejante;

- compreensão em profundidade dos antagonismos e fraqueza do outro;

6) Comunicação a mais honesta possível. O mais importante não é o que falamos, mas como falamos com o ser amado.

7) Amar é o eterno exercício da sabedoria quanto à conjugação dos verbos: eleger, acatar, respeitar, ouvir, falar, calar, comungar, revelar, intervir, aquecer.

8) A privacidade de uma das partes do casal deve ser preservada como um direito e não como sinônimo de solidão.

9) A firmeza deve estar sempre presente na vida do casal não se confundindo com a agressividade.



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Aluna do Programa de Doutorado do Curso de Pós-Graduação em Comunicação da FAAC/UNESP, disciplina Comunicação em Saúde. Ministrada pelo Prof. Dr. Murilo César Soares.

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