domingo, 18 de março de 2012

CLARICE LISPECTOR



Quero escrever o borrão vermelho de sangue\






Quero escrever o borrão vermelho de sanguecom as gotas e coágulos pingandode dentro para dentro.Quero escrever amarelo-ourocom raios de translucidez.Que não me entendam pouco-se-me-dá.Nada tenho a perder.Jogo tudo na violênciaque sempre me povoou,o grito áspero e agudo e prolongado,o grito que eu, por falso respeito humano,não dei.Mas aqui vai o meu berrome rasgando as profundas entranhasde onde brota o estertor ambicionado. Quero abarcar o mundocom o terremoto causado pelo grito.O clímax de minha vida será a morte.Quero escrever noçõessem o uso abusivo da palavra.Só me resta ficar nua:nada tenho mais a perder.

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